A guerra é um tema recorrente nos vários meios de comunicação, da televisão às redes sociais. A exposição à informação e imagens de conflitos pode criar dúvidas e incertezas, ao mesmo tempo que gera preocupação e ansiedade. A gestão emocional em torno do conflito é um desafio para todos e as crianças e jovens não são uma exceção. Neste contexto, é fundamental proteger os mais novos, mas nunca devemos evitar ou ignorar o assunto.
Abordar a guerra de acordo com a idade
De acordo com a Inês Almeida, psicóloga na Clínica Lusíadas Gaia, esta conversa deve depender da idade da criança. Em idade pré-escolar, os adultos devem tentar omitir o assunto, seja ao evitar conversar sobre o assunto ou expor as crianças às notícias e imagens. Não existem vantagens em abordar o assunto nesta faixa etária, sobretudo se a criança não mostra interesse.
Quando as crianças se encontram em idade escolar, deve acontecer o oposto. É essencial conversar com as crianças sobre a guerra, principalmente se demonstram interesse ou dúvidas sobre o tema. Os adultos devem disponibilizar-se para escutar os seus receios, sentimentos e questões.
Contudo, esta conversa deve ser ajustada à idade, maturidade, experiência de vida e capacidade de compreensão. O adulto deve explicar o que se está a passar, de forma clara, racionalizando a informação e procurando tranquilizar a criança.
Evitar falar sobre guerra não é opção
Quando evitamos falar sobre o tema com as crianças, sobretudo quando estão ativamente à procura de respostas, podemos intensificar a sua ansiedade pois entende que o adulto não é capaz de lhe oferecer o apoio emocional que necessita.
Escutar, demonstrar empatia e procurar dar apoio considerando os seus pensamentos e sentimentos em relação aos conflitos é essencial para o bem-estar emocional das crianças e jovens.
12 dicas para falar com as crianças sobre a guerra
No contexto do conflito na Ucrânia, que teve início em fevereiro de 2022, a Ordem dos Psicólogos publicou “Conversar sobre a guerra: perguntas e respostas para pais e cuidadores de crianças e jovens“, uma espécie de manual dedicado exclusivamente ao diálogo com os mais novos sobre a guerra. Dada a complexidade do assunto, partilhamos consigo 12 sugestões sobre como falar com as crianças sobre a guerra.
- Criar um espaço para a criança expressar os seus pensamentos e sentimentos
Informe a criança que está disponível para a escutar e para falar sobre o assunto. Deve perguntar-lhe o que pensa sobre a guerra, se está assustada ou preocupada. Mesmo que respondam que “não”, damos-lhe indicação de que é natural que tenham esses sentimentos e de que podem falar sobre eles, se quiserem. Algumas crianças podem não ser capazes de falar sobre os seus sentimentos ou medos, mas podem sentir-se mais confortáveis em desenhar, brincar ou contar histórias direta ou indiretamente relacionadas com o que está a acontecer. É normal que façam a mesma pergunta ou comentário várias vezes, até que a informação faça sentido.
- Escutar e descobrir o que a criança já sabe
Mais do que explicar ou fornecer informação sobre a guerra, deve ouvir o que a criança quer, espontaneamente, comentar ou questionar. Deixe as preocupações das crianças, nas suas próprias palavras, guiar a direção e a profundidade da conversa. Mas pode, no entanto, suscitar a sua opinião fazendo perguntas abertas, pois podem já ter tido contacto com informação através dos meios de comunicação social, da escola ou dos amigos. Estar a par do que já sabem pode também ser um bom ponto de partida para a conversa. Preste sempre atenção ao que não dizem – as expressões faciais, os gestos ou tom de voz, por exemplo, também podem revelar emoções.
- Validar os sentimentos da criança
É importante comunicar à criança que compreendemos que o que está a acontecer nesta situação de guerra é confuso e complicado, reforçando que esses sentimentos são naturais. Não deve julgar a criança pela forma como se sente, mesmo que nos pareça fazer pouco sentido. Se não compreendermos algo, devemos mostrar respeito e pedir que explique novamente.
- Adequar a linguagem e a informação à idade
É importante sermos honestos e não minimizarmos a gravidade da guerra, ao mesmo tempo que não há necessidade de sobrecarregar a criança com informação desnecessária e difícil de processar. É fundamental considerar também as experiências e as circunstâncias de cada criança (por exemplo, o facto de serem filhas/os de militares).
- Assegurar às crianças de que estão protegidos e seguros
As crianças mais novas interpretam o que acontece de uma forma que não tem lógica para os adultos e que lhes pode causar medos. É importante assegurar que estão protegidas e seguras, reforçar o contacto físico (por exemplo, abraços, beijos) e manter as rotinas habituais.
- Reforçar as mensagens de esperança
Mesmo em situações terríveis, existem pessoas que se esforçam arduamente por ajudar os outros. Deve sublinhar estes atos de coragem, bondade e serviço aos outros, pois recorda às crianças que existem sempre atos de humanidade e amor entre as pessoas. É igualmente importante enfatizar que todas as guerras acabam e que podem existir soluções não violentas para a paz.
- Assistir às notícias em conjunto
No caso das crianças mais novas, é importante restringir o acesso à informação partilhada na comunicação social. Evite que sejam expostas a imagens e informação que as pode perturbar. No caso das crianças mais velhas e dos jovens, a abordagem mais adequada será ler ou assistir às notícias em conjunto, encorajando-as a dar a sua opinião e a colocar questões.
- Evitar estereótipos
Devemos evitar imagens e linguagem polarizadoras ou extremistas. É igualmente importante não estereotipar grupos de pessoas pela sua pertença cultural, nacionalidade ou religião. Esta pode ser uma oportunidade para promover a tolerância e a compaixão, o respeito por todos e pela diversidade, bem como explicar o que são preconceitos e estereótipos. No caso das crianças mais velhas, podemos ainda ajudá-las a compreender que a guerra traz consequências — individuais e sociais — para ambos os lados.
- Utilizar a conversa para encorajar a discussão de outros temas
Uma conversa sobre a guerra pode evoluir para uma conversa sobre outras questões difíceis de resolver na nossa vida. Pode utilizá-la para estimular o desenvolvimento das crianças e jovens noutras áreas.
- Encorajar comportamentos pró-sociais
As crianças e os jovens podem sentir-se mais seguros e confiantes quando sentem que podem fazer algo para ajudar. Aproveite a conversa para encorajar os seus comportamentos, debatendo possibilidades para ajudar e fazer a diferença.
- Monitorizar o stresse a saúde psicológica das crianças
A guerra pode afetar mais umas crianças do que outras e é natural que se sintam confusas, perturbadas ou ansiosas. No entanto, alterações duradouras do comportamento e do sono, preocupação constante com o assunto e medo da morte, podem constituir sinais de alerta. Neste caso, deve procurar ajuda de profissionais.
- Monitorizar e cuidar da nossa Saúde Psicológica
As crianças e os jovens aprendem a lidar com a adversidade e com o que acontece à sua volta observando a forma como os adultos das suas vidas o fazem. Por isso, é importante sabermos que a forma como respondemos ao stresse vai influenciar a reação das crianças de quem cuidamos. É natural que também sinta ansiedade com a guerra e pode dizer à criança que também sentimos medo, focando-se na forma de lidar com esses sentimentos.
Saiba mais sobre Devemos conversar com as crianças sobre a guerra? no site Lusíadas Saúde.