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Crianças e comunicação: a linguagem não é só palavras

Crianças e comunicação: a linguagem não é só palavras

O desenvolvimento da linguagem é um processo complexo. Como saber se há algo de errado com o seu filho e quando procurar ajuda?

Atualizado a 24/01/2023
9 MINUTOS DE LEITURA
Crianças e comunicação: a linguagem não é só palavras

Antes de iniciarem a escolaridade obrigatória, por volta dos 6 anos, em princípio as crianças já dominam a linguagem e as suas regras básicas, tendo um reportório de palavras que lhes permite comunicar e participar em conversas.

Mas comunicar não é apenas dominar um sistema linguístico e a linguagem abarca outras componentes para além de palavras. Há palavras que as crianças devem aprender em primeiro lugar? Quais? Em que idade? Quando devemos preocupar-nos se o nosso filho não diz palavras ou diz poucas? E o que fazer?

Este é o tema do Podcast Hospital da Luz com Rosa Rodrigues, terapeuta da fala no Centro de Neurodesenvolvimento e Comportamento da Criança e do Adolescente do Hospital da Luz Lisboa.

Aquisição da linguagem nas crianças

A aquisição e o desenvolvimento da linguagem são das competências mais extraordinárias dos primeiros anos de vida de uma criança. O processo de aprendizagem está longe, porém, de ser um processo linear.

Antes da entrada na escolaridade obrigatória, aos 6 anos, as crianças já dominam o sistema linguístico, a sua gramática e os seus sons, já têm até um reportório de palavras que lhes permite participar em conversas, fazerem-se entender e perceberem o que se passa à sua volta.

A comunicação serve para conseguirmos compreender a outra pessoa e para transmitir-lhe um conteúdo. Mas quando comunicamos temos uma intenção e às vezes esta intenção não vem nas palavras, sendo lida pela nossa expressão corporal, pelo olhar e gestos que fazemos – ou seja, é lida através de um conjunto de formas de comunicação não verbal.

Por exemplo:

  • Os bebés não têm ainda palavras para comunicar e fazem-no com o choro;
  • As crianças pequeninas atiram-se frequentemente para o chão, comunicam com o próprio corpo, manifestando ter uma intenção nesse comportamento.

No processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem, é muito importante a interação da criança com o adulto, pois é este que faz a sua validação. É muito importante o adulto envolver-se e ‘descer’ ao nível da criança, para a compreender e ajudá-la a passar ao nível seguinte.

‘Falar tarde’ tem importância?

Se pensarmos que a linguagem tem uma sequência de desenvolvimento, isso quer dizer que há uma espécie de degraus para se ir subindo. Se tivermos como limite a escolaridade obrigatória, quanto mais cedo atuarmos melhor.

Às vezes, os pais dizem que as crianças compreendem tudo, só que não falam. No entanto, quando vamos avaliar a sua compreensão da linguagem, essa compreensão não corresponde aos termos médios do que é normativo.

Tem de se ter em conta que, no dia a dia, damos imensas pistas de contexto que ajudam a criança a compreender. Por exemplo: se estamos a sair de casa e lhe pedimos a mochila usando até uma frase bem composta – por exemplo: “Traz-me a tua mochila que está no quarto, dentro da cesta ou pendurada no cabide” –, a criança prevê logo que vai sair de casa e que vai para a escola, pois ouviu a palavra ‘mochila’. Pode não conseguir compreender integralmente a extensão frásica e a associação de significados, mas o contexto ajudou-a a prever. Quando vamos avaliar a sua linguagem, pomos essa quantidade toda de palavras sem dar pistas nenhumas, e os pais ficam um bocadinho surpreendidos porque a compreensão da criança, afinal, não corresponde ao que é considerado normativo em termos médios. E há casos em que temos a essa compreensão normativa, mas ainda assim há alterações no desenvolvimento de expressão da linguagem e perturbações dos sons da fala.

Quais devem ser as primeiras palavras?

Não existem palavras certas para começar. Apenas existe a palavra certa para aquela criança e para aquele contexto de família.

As primeiras palavras da grande maioria das crianças são “mamã” e “papá” porque estas são as figuras mais essenciais e que correspondem às suas necessidades básicas. Além disso, trata-se de palavras que são produzidas com sons bilabiais, que as crianças conseguem visualizar.

Quando as primeiras palavras são muito diferentes deste núcleo de palavras, podemos avaliar se existem alguns desvios do desenvolvimento e se isso pode querer dizer alguma coisa.

Em que idade os sons da fala devem ser os corretos?

Há sons mais difíceis do que outros e também há momentos para aprender cada som. Por isso, há sons que são produzidos em fases mais precoces do desenvolvimento e há sons mais tardios.

O certo é que, aos 5 anos de idade, as crianças já devem produzir todos os sons da fala. Como tal, quando iniciam a escolaridade, todos os sons devem estar a ser produzidos de forma correta nas diferentes estruturas da palavra.

Quando recorrer à ajuda de um terapeuta?

Por vezes o problema reside nos sons, outras vezes é nas palavras e outras vezes é na intenção em comunicar. Por isso, o momento para os pais procurarem um terapeuta da fala é quando têm dúvidas e não numa determinada idade. E nunca é cedo para pedir ajuda e obter orientações. Como as crianças estão habitualmente inseridas num contexto escolar, os educadores são profissionais que podem ajudar os pais nessa decisão.

O terapeuta da fala pode trabalhar todos os pré-requisitos que devem surgir antes das primeiras palavras. Em caso de dúvida, devem procurar o terapeuta da fala para perceber quais serão as dificuldades que a criança tem e por onde é que podem começar.

Há muitas crianças que aos 12 ou 18 meses não dizem palavras, mas têm outras formas de comunicar e aí pode estar tudo bem, porque não mostram alterações na relação do comportamento, são compreendidas e fazem-se entender. Mas pode acontecer o contrário – e aí deve-se procurar o terapeuta da fala para avaliar e inventariar um perfil comunicativo. Este perfil vai averiguar, por exemplo, as formas de comunicação informal que a criança está a usar, se há pré-requisitos que não estão a ser desenvolvidos de forma ajustada e se ouve bem.

Como aceder a um terapeuta da fala

Os pais podem marcar diretamente uma Consulta de Terapia da Fala (Avaliação). Noutros casos, acedem ao terapeuta da fala após a Consulta de Pediatria de Desenvolvimento. Neste caso, os terapeutas da fala caracterizam o perfil de comunicação e da linguagem e contribuem para um diagnóstico. Por exemplo: uma criança com perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA) tem dificuldades no planeamento da linguagem e alterações nas funções executivas.

Impacto dos dispositivos eletrónicos na linguagem

Os dispositivos eletrónicos (tablets, smartphones, etc.) tornaram-se um ‘brinquedo’ fácil para os pais entreterem os filhos e isso tem consequências no processo de aquisição da linguagem.

Em termos de linguagem, é preciso ter em conta que o brinquedo ideal é o adulto: a criança aprende é com o impacto que tem a sua comunicação com o adulto. É o adulto quem responde em conformidade, quem modela e complementa, ou seja, dá à criança todo um conjunto de informações que lhe permite desenvolver a linguagem, algo que não acontece com um ecrã. Um jogo até pode dar um ‘feedback’, dizer se se acertou ou não, mas não complementa nem fornece modelos.

Alguns pais contrapõem “o meu filho aprendeu as cores, aprendeu as letras, aprendeu as formas geométricas”. Mas essas não são as palavras que permitem interação social, satisfazer as necessidades do dia a dia ou expressar emoções e sentimentos.

 

Consulte o artigo original Crianças e comunicação: a linguagem não é só palavras no site Hospital da Luz.

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